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Saturday, October 31, 2009

Tudo o que sempre quis saber sobre cachupa e não ousou perguntar...

(Dedico este pequeno texto às gentes de Cabo-Verde.)

Um prato que se cozinha não se melhora, não evolui, não se tenta. É uma angústia que tem que se extirpar do peito. Quando se elabora uma receita, é para acabar com ela, para a fazer pela última vez e para acabar com todas as discussões. Até ao próximo drama. A única comparação possível é com um ritual religioso que visa o sublime e o intemporal no terreno.
A cachupa não é um prato. É um ritual de homenagem ao milho, feito com simplicidade e comunhão entre amigos.
Vi dezenas de receitas de cachupa. Cada cabo-verdiano sabe uma, a única verdadeira, tal como é próprio das memórias pessoais e familiares que esbarram em algo que se tornou universal.
Algo que se tornou universal tem que ter um denominador comum: o milho, os grãos de milho, o símbolo gastronómico de Cabo-Verde. É até hoje um mistério para mim, como é que um cereal que necessita de tanta rega é tão popular num país conhecido pela ausência de água. Será um tributo ao líquido milagroso, tão esperado desses céus avaros das ilhas, uma celebração em amarelo de que choveu e que desta vez a negra fome não vem?
Portanto, se entrar num restaurante, lhe servirem uma cachupa, e quiser verificar se é verdadeira, separe no prato os grãos de milho dos grãos de feijão e se o milho não tiver igual quantidade ou superior aos feijões, mande o prato para trás e peça o livro de reclamações.
Quanto aos feijões, que feijões? Os que lhe apetecer, dos cabo-verdianos umbonje e pedra são os meus favoritos, favona para quem quiser, dos portugueses gosto do vermelho para embelezar com alguma cor. Não esquecer, se mais de metade for feijão é feijoada não é catchupa.
Mas um ritual tem regras, dias e venerações várias. A minha cachupa começa à Quinta-feira, dia de pôr a carne em sal, guardada no frigorífico e escorrida a água cada dia. No Sábado o feijão e o milho vão a banhos. Escorre-se a água da carne e vamos à garrafeira buscar as garrafas de vinho para as pôr de pé. E finalmente no Domingo, acordamos mais cedo que os nossos amigos que foram dançar kizomba e começamos os preparativos.
Uma receita de cozinha tem um eixo, essencial, e depois variantes e aspectos secundários e outros variáveis que não afectam nada de importante.
O eixo da cachupa é a cozedura de milho e feijão apenas com água (sem sal), visando um desfecho que mantém as propriedades dos protagonistas e acrescenta com o bom amido que escapa dos mesmos uma textura cremosa deliciosa à simples água. É apenas isto, o resto é demagogia e tempero de quem tem algo a esconder. Isto num tacho.
No segundo tacho, cozem as carnes de porco salgadas, depois do sal sacudido, com uma folha de louro. Entrecostos, costeletas, carne de veios gordurosos bem concentrada de paladar. Na minha versão de cachupa, a que chamo do Ritz, compro bons pedaços de porco preto que já não arruinam ninguém, e um pedaço de vaca bem cheio de geleias e gorduras para parecer chique.
E perguntam vocês, e os enchidos, onde estão os enchidos? Os enchidos devem manter-se afastados da cachupa como o diabo da cruz, tal como os convidados que só pensam em comer, faltam à cerimónia e só aparecem no restaurante. Eu tenho uma conversa com o bom do chouriço, a poupada farinheira e a trágica morcela, ponho-os no forno a 160º quando começo o refogado e digo-lhe: até já.
Pois, é que depois dos dois irmãos separados, milho e feijões e as carnes, há que reuni-los. Onde? Num tacho grande a que alguns chamam "ena que grande tacho".
O refogado começa com banha de porco preto, azeite, e uns grãos de pimenta preta mal esmagados, único tempero áparte o singelo ramo de salsa que se acrescenta. Uma boa cebola que se deixa suar e venham essas carnes, previamente desossadas que a gente gosta da nossa cachupa prontinha para comer de colher. Deixar o refogado assar e chiar, sempre bem sequinho à beira da tragédia.
Depois o dilúvio: feijões e milho e respectiva calda, assim como um pouco da água da cozedura da carne. E está o assunto quase tratado, se não fosse o inhame, a couve, a abóbora, a mandioca, por esta ordem, que se vêm incorporar ao manjar.
É nesta altura que o engrossar do caldo dará ao sacerdote dos tachos o presciente momento de desligar o tacho, esperar uns minutos e levá-lo para a mesa.
Os violentos enchidos saem do forno e cortados em rodelas são remetidos para o seu papel decorativo e emocionante. Mas quem os mistura na cachupa logo no início não sabe o que faz. O creme do milho e do feijão pede as ternuras simples dos legumes e da carne salgada, não de arruaceiros que gostam de dar nas vistas e que têm o seu lugar apenas quando são convocados para a segunda vez que nos servimos, assim como os picantes vários presentes na mesa africana.
Depois é rir com os amigos, fazer brindes com grogue e guardar lugar na barriga para uma fatiazinha de cuscuz com mel de cana.

Sunday, May 25, 2008

Festa Dia de Africa em Odivelas

Ontem, dia 24 de Maio, a RDP África realizou a festa do Dia de África, que se celebra hoje, certamente a pensar num retemperador Domingo para os excessos da festa. Devem ter sido cerca de 40 nomes a passar pelo palco da Quinta da Memória, apresentados pelo incansável Nuno Sardinha. Devia ter começado às 15h, mas havia pouca gente e ainda estavam a espalhar casca de pinheiro para evitar a lama que se formava com a chuva que esteve intermitente ao longo do dia, só voltando mais forte já a noite tinha chegado. Muitas barraquinhas com predominância na gastronomia para Guiné-Bissau e São Tomé. Falta a presença mais forte de Angola, Cabo-Verde e Moçambique. Mesmo assim destaco a sigá de carne de uma barraquinha da Guiné que me deu a descobrir o peculiar paladar do jagatu. No entanto depois de uma chuvada e de se fazer sentir o vento frio, descobri um caldo de peixe com banana pão e um calulu com funge de milho na barraquinha da entrada. Vitória gastronómica para S. Tomé que nem precisava do bolo de de ananás e do bolo de banana para adoçar a boca depois de tanto sabor.
Quanto à música muito playback, justificável pela enorme quantidade de músicos, mas perfeitamente evitável com uma ou duas bandas residentes. As notas de audição a cada actuação normalmente de duas ou três músicas.
Irmãos Verdades - Abertura com a banda africana mais popular no plano nacional.
Gylito - Figura extremamente popular, é um bom comunicador e apresentou-se com guitarra e pouco mais. E canta benzinho (o benzinho é um elogio). Prepara-se para rumar ao Brasil. A Carla fez voz de apoio, maravilhosa como sempre e esperamos um disco dela para breve.
Mingo - Do grupo Canela de Moçambique, à guitarra, encantador. A primeira música em tom ligeiro a falar de coisas sérias "O galo diz para a galinha enche o papo que logo tens forró. Co-co-ri-có." A segunda de "Tupis dos Himalaias e Zulus da Sibéria", um mapa mundo nomadizado.
Cremilde - Voz com raça de S. Tomé e senhora de muita presença.
Kimi Jjabaté - A alma ou o espírito de África, um dos dois, desce a Odivelas com um homem sozinho tocando duas peças em balafon.
Orquestra Super Mama Jombo - Gostei porque tenho um fraquinho pelas orquestras da África Ocidental, mas acho que quem se apresenta perante um público jovem tem que entender que é algo de novo e desconhecido e preparar um reportório a condizer. Serão os meus ouvidos cheios de coisas boas do Senegal, Mali e Guiné Equatorial a exigirem de mais? Talvez.
Refilon - Ora aqui estão rapazes como deve ser. Banda completa, guitarra, viola acústica, baixo, bateria e violino, Cabo-Verde em música bem tocada de roupa nova. Mornas e funanás a soar a fresco numa nova geração.
Bonga - Uma força da natureza e de energia pôs as pessoas todas a dançar e é a prova viva da transversalidade de alguma música através das gerações. Ritmo é ritmo!
Don Kikas - Só o conhecia do espaço reduzido do B. Leza mas é um profissional experiente que animou muito o público.

Três reparos.
Os bancos ocupavam metade do espaço do público e a tentação de subir para eles e impedir a visão do espectáculo é natural.
A promoção do cartaz de músicos devia ter sido mais forte.
Faltaram tambores, percussão, djembés em fúria e batuque. Para o ano convidem as senhoras da Cova da Moura, não é preciso ir a Santiago!

Em suma, um dia com aquela alegria de África que os africanos partilham connosco e que tornam a vida melhor.

Parabéns à RDP África e à Câmara Municipal de Odivelas.